Como todos conseguem pouco se importar com tudo? Ah, como é terrível que desperdicem seus dias só tentando se manter vivos.
- Quer mais um pedaço de bolo, Carol?
- Não, mãe. Obrigada.
- Você quase não comeu, menina. Está ruim? Acho que nunca vou conseguir te agradar.
- É aniversário do pai, mãe. Por quê você não se anima e fica por perto dele? Pode deixar que eu não vou me incomodar.
- Sabe, não sei onde eu errei com você. - Sua mãe tinha os olhos levemente marejados.
- Você não errou, mãe. Agora vá ficar com o pai, antes que torne esse jantar algo triste.
- Você é a tristeza, Carolina. - E foi para o lado do aniversariante, enxugando uma lágrima que não respeitou sua vontade de não chorar, e sorrindo para disfarçar.
Das coisas que tem sentido, o café quente pela garganta, com certeza é uma das melhores. Mas a vida é mágica, afinal. Carolina se lembra muito bem de quando era criança e ia nas apresentações de teatro de sua irmã, a Sra. Sou-Tão-Bela-E-Sensível, onde ninguém precisava sentir algo para expressar isso. Essa era a mágica da vida. A vida imita a arte, e vice-versa.
Das coisas que tem vivido, reuniões familiares é uma das piores. Ah, com certeza é uma das piores, agradeçam. Ser questionada de todas as suas atitudes. Pelos deuses! Por que não podem simplesmente deixá-la em paz, como ela faz com eles? Seria simples e pura hipocrisia? Ela gostaria que fosse. Mas algo diz que talvez eles liguem para a felicidade dela.
- E então?
- Você sabe que eu simplesmente não quis ir.
- Detesto essa sua mania.
- Eu sei.
- Você já deu parabéns ao papai e, pelo menos, o abraçou?
- Não, ele está um pouco ocupado com as crianças da família.
- Pare de enrolar.
Um gole. Respira. Outro gole.
- Você devia diminuir esse café.
- Deixe eu dar meus cumprimentos ao nosso pai.
Outro gole.
Se aproximando de seu pai, que conversava com sua tia, as crianças resolvem que é mais seguro ir brincar onde a prima Carol não esteja por perto. Seu pai interrompe a conversa e sorri para ela, que devolve um sorriso quase imperceptível. Mas ele conhecia o sorriso.
- Parabéns, pai.
- Obrigado. Agora, seu pai, velho como está, deve merecer algo um pouco mais afetivo.
- Pai...
- Venha, prometo que você pode usar o banheiro para tomar um banho depois de me abraçar.
Das reuniões, seu pai era a única parte agradável. Ele brincava com as verdades quase sempre. Ele quase a entendia. Quase. E por esse quase, ela o abraçou.
- O banheiro, você sabe onde fica. - E ambos riram.
- Não, obrigada. Eu teria que usar uma das suas toalhas. - E riram mais um pouco.
- Agora eu irei embora, pai.
- Mas você chegou não faz nem uma hora, e já quer ir embora?! Carolina, mas nem no aniversário de seu pai você pode ter um tempo para a família?! - Sua mãe parecia furiosa.
- Deixe que a menina vá, Cristina. - Seu pai sempre teve a mania de intervir nas crises de sua mãe.
- Não, Paulo! Ela sempre vai manter essa impertinência!
- Não vamos nos aborrecer, certo? Ela, com certeza, tem coisas à fazer.
- Vocês quem sabem. Eu vou até a cozinha terminar de servir os doces.
Eles assistiram ela se retirar.
- Obrigada.
- Não precisa agradecer.
E ela saiu para o ar da noite quente.